terça-feira, 6 de maio de 2014

sobre paredes

Há um quarto de lua
No meu quarto

Desse quarto
de quarto de quarto
eu vejo

aqui
É só chão,
Que se contorce
Que se comprime
Que ora se abre
ora me segura

E as paredes
ameaçam quebrar
ou eu
ameaço quebrá-las

Num dia de Outono
para que o sol caia em mim
Julgando que cai nas paredes


sábado, 7 de dezembro de 2013

redes e correias
em fixar vidas
só sabendo de roteiros
sorteios
sabendo de estados
afastados
não sabendo mais
de mais
não mais
do nada

domingo, 3 de novembro de 2013

abstracção nível um

Empregado o equilíbrio
Indicador do balanço
Só isso
Num processo cenográfico
Uma forma de montar
Encima da memória
Afirmação ilusória
que tudo foi feito
em tijolo de apagar
O que já não é
Se ela sempre soube
A cada microsegundo
no contínuo temporal
A sair da razão

quarta-feira, 10 de julho de 2013

cruzamento parte a


Há interrupções nas melhores causas, se o quadro vira do avesso ou se o chapéu vai com o vento, mas andarilhos entendem-se melhor por palavras. Cruzadas de aspirações e tropeções pelo caminho crescem na cena híbrida de um conhecimento próprio, e depois floresce-se para um mundo demasiado nosso, onde tudo veio de sinapses aleatórias desmedidas, e tudo se forma ao nosso reconhecimento, em todos os sentidos. Estas experiências fazem-se enriquecedoras aos inúteis, talvez minimais aos contentes, mas nem há que discutir essa questão se a vida for a nossa vida. A verdade é que nem sempre nos reconhecemos nas paredes, na luz ou ao toque, mas há sempre forma de o fazer no íntimo do nosso pensamento, em entropia zero, casulo. Não deixa de ser um risco que tentemos ficar neste estado a um longo prazo, caídos em terra seca e alheia aos nossos sentidos - a todos eles - mas é um risco que me parece inevitável em certas alturas, quando há que remodelar a casa. De facto, é excitante, arrebatador, confuso, perigoso, intimidante, inteeeeeenso. Mesmo antes de o ser, por nao termos controlo sobre a sequência dos acontecimentos ou a proporção das suas consequências, sentados no trono do laisser passer, que foi antes nosso e agora foi roubadinho. Sem preocupações, sem cenas, sem voltas a dar, só nós e o peso leve de uma mal amanhada decisão prévia; mas essa já está tomada, sabiamente tomada.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

90º

K$%e#Rt7~0"|error6*/1.0#
interferência no meu cosmos
gravidade zero
km/h 450
"something is happenin' here, but you don't know what is, do you...?"
ta ta tam tam taam
oi
pontapé em seco, rasgar a terra nos teus glóbulos
que tem? que foi?
chuva! saltimbancos!
calafrio 20 de 0 a 10

partiu a corda

um negativo

dois
sem um, nem zero
porque dois
porque nunca
São sempre afazeres
nunca lebres
mais do que três
nunca sete e meio
metade só de volta
e nem sempre às duas

uma
sem abaixo de zero
porque cinco
porque um dia
São sempre rodas
nunca cordas
mais do que eu
mais do que nós
metade só de manhã
e nem sempre contigo

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Cruzamentos

Chamada 1# Senhora simpática atende, diz que não faz a mínima ideia de quem é a pessoa que procuro. Reencaminha a chamada para alguém que supõe que saiba.

Chamada 2# Senhora apática atende, diz que o nome é Carlos, e que o Carlos só volta na próxima semana, porque trabalha noutro lugar.

Google - número de telefone do lugar
Existem dois lugares, o I e o II
Tento no II, porque sim.

Chamada 3# Senhora aborrecida atende, diz que não sabe quem raio é o Carlos

O Carlos deve trabalhar no I

Chamada 4# Senhora da PT atende, diz que o número de telefone foi alterado, fornece o actual

Chamada 5# Senhora brasileira extremamenteocupada atende, diz que isso não é com ela, reencaminha.

Vinte minutos em voz alta de " te .. te..te..te" fodasse.
Espero dez minutos. Volto a ligar

Chamada 6# Senhora brasileira aficarchateada atende, decide que o melhor é lidar comigo, "quem você procura?" "Carlos" "Vou reencaminhar"

Chamada 7# Senhora feliz atende, conhece perfeitamente o Carlos, até me diz o sobrenome, de que me esqueci imediatamente a seguir. Vai passar a chamada

Chamada 8# Carlos atende. "Daqui fala a Inês, do Henry Miller." "Inês! Como é que me encontraste? Estás bem?" "Sim, já estou bem. Era só para agradecer. Só para agradecer. Agradecer o crédito, e aproveitar para pedir que leve sempre a sério o outro como me levou a mim, mesmo que, sob determinadas circunstâncias, isso implique mentir, porque secalhar o uniforme lhe dá legitimidade para isso."
"Inês, eu não te menti"

Merda. Era muito mais fácil se tivesse..!
Fiquei calada, porque não sabia o que responder. Pensei os tópicos da linha de conversa. Ia ser um monólogo, não lhe queria dar a hipótese de falar com medo de perceber que de facto ele me havia mentido, no fundo sabia que me tinha mentido, para impedir que me afundasse ali, por isso queria ficar na ignorância. Mas ele não mentiu. Disse que nunca mentia. Acho que me achou ali perturbada. "Queres o meu número, caso precises de alguma coisa?" "Não, não quero. Era só para dizer Obrigada"
Barulho de fundo, haviam mais pessoas no Mundo a precisar que alguém lhes dissesse que a vida pode ser como nós queremos que seja. Pouco mais se disse, o essencial ficou, desliguei com a sensação de missão cumprida. É bom não ter filtro, tão bom..Sabe tão bem pensar as pessoas, querer com vontade que elas saibam o quão boas são e agradecer-lhes por isso. Mas depois foram só dúvidas..só dúvidas..

Um perfeito estranho, um adulto responsável, com filhos, com um trabalho, com mais que fazeres, ajudou-me com uma conversa, que eu comecei porque sim, a atirar umas postas, porque posso fazer o que me apetece. Mais do que isso, ele levou-me a sério, e depois eu também o levei a sério, questionando tudo o que ele dizia, a sorrir com a simpatia de uma pessoa que se dispõe a refutar-me como se me tentasse salvar de um abismo. "Calma, meu. Não precisas de me mentir, eu sei a verdade" foi o que eu pensei, e que não disse por me saber tão bem a mentira naquele momento.
Por isso é que agradeci, pela disposição, por tudo..Por tudo, menos pela verdade, por achar que era mentira. Afinal é a verdade dele, eu acredito que seja, porque me ajudou, porque não teria motivo para me mentir numa segunda ronda. Na volta, tentei contactar o Carlos porque queria saber. No fundo queria saber se era verdade ou não tudo o que me disse por corresponder ao que eu queria ouvir. E era mesmo
Mandar postas vai ser o meu lema de vida.